Essa é a matéria escrita por Fábio Paschoal em 1 de
dezembro de 2013, para a National Geographic Brasil.
Archaepteryx - Ilustração: Nobu Tamura |
Solnhofen, Alemanha, 1861. Em uma pedreira, trabalhadores acham a
impressão de uma pena em uma placa de calcário . Ela aparenta
ser comum e não possui nenhuma característica extraordinária, exceto sua idade:
145 milhões de anos. O local havia sido um lago superficial de água quente e
salgada, onde poucas formas de vida conseguiam sobreviver. Mas, eventualmente,
alguns animais acabavam aprisionados ali. Crustáceos, insetos, dinossauros e
pterodáctilos ficaram imortalizados após se transformarem em fósseis no
fundo da lagoa. Assim como aquela pena. Mas de onde ela veio? Somente aves possuem
penas. Que tipo de animal conviveu com dinossauros e dividiu os céus com
pterodáctilos? As respostas viriam alguns meses depois.
O
fóssil de um animal estranho foi encontrado próximo a cidade de Langenaltheim,
Alemanha. Ele poderia ser tanto uma ave quanto um réptil.
Tinha membros adornados com penas, como acontece com as aves atuais. Certamente
poderiam ser descritos como asas, mas essas asas tinham dedos separados, cada
um dotado de uma garra. A cauda era longa e com ossos densos, como a de um
lagarto – exceto pelas penas que brotavam por todos os lados. O crânio estava
danificado, mas um pedaço da mandíbula inferior deixava claro que o animal
possuía dentes. A espécie foi colocada no grupo dos terópodes (que inclui
oTyrannosaurus rex e o Velociraptor) e recebeu o nome de Archaeopteryx (asa
antiga). Será que o elo perdido entre aves e dinossauros havia
sido encontrado?
Fosseis de Archaeopteryx - Fotos H. Raab - Creative Commons |
A descoberta causou barulho na comunidade científica. Charles Darwin
tinha publicado A Origem das Espécies havia dois anos. Em seu livro,
diz que todos os organismos são descendentes de seres que viveram
anteriormente. Mas grande parte da comunidade científica da época aceitava a
ideia de que Deus havia criado cada espécie individualmente. O novo fóssil
sugeria que os répteis poderiam ter dado origem às aves e começava a mudar a
opinião de muita gente.
A questão agora era entender porque esses animais desenvolveram essas
estruturas. Será que o surgimento das penas estaria ligado ao surgimento do
voo?
Essa
pergunta começou a ser respondida em 1996, quando paleontólogos chineses
descobriram o fóssil de outro terópode: Sinosauropteryx. Uma fileira de
filamentos finos e ocos, que ia da cabeça até a cauda do animal, era visível na
rocha calcária. Porém, a análise do esqueleto era clara: esses bichos se
locomoviam no solo e não podiam voar. Então, por que essas criaturas tinham
penas?
Fóssil de Sinosauropteryx mostra uma camada de penas que vai da cabeça até o final da cauda do animal – Foto: Sam/ Olai Ose/ Skjaervoy/ Creative Commons Sinosauropteryx |
Talvez o Sinosauropteryx pudesse gerar calor e as penas
funcionariam como um isolante térmico. Assim ele conseguiria manter a temperatura
durante a noite. Na manhã seguinte, o animal poderia sair para caçar antes do
sol aquecer os corpos de seus competidores de sangue frio.
Ilustração: Nobu Tamura |
Existe
outra possibilidade: as penas poderiam ser a diferença entre o sucesso e o
fracasso na hora do acasalamento. Elas poderiam exercer a função de atrair um
parceiro para a reprodução (como no caso do pavão). Os fósseis que começaram a
surgir a partir de 1996 começaram a dar sustentação para essa hipótese e
mostram uma transição gradual entre os terópodes e as aves. Uma das descobertas
mais promissoras foi o fóssil de Anchiornis, um animal do tamanho de uma
galinha com penas pretas e brancas que cobriam o corpo e uma crista vermelha
que adornava a cabeça. As penas do animal eram quase idênticas às usadas pelas aves
para voar, mas eram simétricas e frágeis demais para o voo. É possível que a
evolução dessa plumagem extravagante seja fruto da seleção sexual, assim como a
cauda do pavão.
Bolsas microscópicas,
denominadas melanossomos, foram descobertos no interior das penas de alguns
fósseis. Dependendo do estado de conservação dessas bolsas, os cientistas
conseguem saber as cores das penas dos animais. O Anchionis tinha penas
pretas e brancas que cobriam o corpo e uma crista vermelha que adornava a
cabeça.
Ilustração: Nobu Tamura
|
Faltava ainda responder uma questão crucial: Como e quando surgiu a
habilidade de voar? A transição final de um animal terrestre com penas para uma
espécie capaz de conquistar o espaço aéreo ainda gera debate. Alguns
pesquisadores dizem que os dinossauros emplumados desenvolveram o voo a partir
do solo, batendo as asas enquanto corriam. Outros afirmam que os animais usavam
as penas para sustentar o corpo ao saltar da copa das árvores, depois começaram
a planar até que desenvolveram a capacidade de bater as asas. Talvez ambas as
teorias estejam certas. Talvez a habilidade de voar tenha surgido em diferentes
espécies de dinossauros. Talvez, ao olhar para as aves de hoje, vemos o
resultado de apenas uma dessas transições.
De uma
forma ou de outra o Archaeopteryx continua sendo uma das descobertas
científicas mais revolucionárias da história e permanece como a maior prova da
evolução que pode ser encontrada no fundo de um lago superficial de água quente
e salgada.
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